1. Vícios de Legalidade e Infrações Normativas (Irregularidades Sanadas)
A análise dos autos revela que o instrumento convocatório original apresentava vícios insanáveis que afrontavam diretamente a Lei Geral de Licitações e princípios constitucionais. Tais irregularidades foram objeto de Representação pela sociedade empresária Omega Alimentação e Serviços Especializados S.A. e, posteriormente, reconhecidas pela própria Administração Pública, que procedeu à retificação do edital.
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Violação à Qualificação Técnica e Legalidade Profissional: O edital original dispensava a exigência de registro da empresa no Conselho Regional de Nutricionistas (CRN). Tal omissão configura ofensa direta ao Princípio da Legalidade (art. 3º da Lei nº 8.666/93) e desrespeito à Resolução CFN nº 702/2021, comprometendo a regularidade técnica da prestação do serviço de alimentação.
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Afronta ao Princípio do Julgamento Objetivo e Eficiência: Identificou-se a solicitação de atestados de capacidade técnica sem a definição de percentuais mínimos ou critérios objetivos. Tal prática fere a inteligência da Súmula 24 do TCE-SP e da Súmula 13 do TCE-RJ, bem como o Princípio da Eficiência, ao permitir subjetividade na avaliação dos licitantes.
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Deficiência na Qualificação Econômico-Financeira: Houve a ausência inicial de requisição de balanços patrimoniais e índices contábeis para a comprovação da saúde financeira das licitantes. A supressão dessa exigência viola o dever da Administração de assegurar que a contratada possui robustez econômica para suportar a execução de um contrato de vultosa materialidade (estimado em mais de R$ 22 milhões).
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Inconsistência na Definição do Objeto: O edital impunha obrigação de fornecimento de uniformes escolares, item estranho ao escopo principal da contratação de alimentação, denotando falha no planejamento e na especificação do objeto.
2. Riscos Jurídicos e Determinações de Controle Externo
Embora não tenham ensejado a anulação imediata do certame — em virtude da aplicação do princípio do formalismo moderado e da primazia do interesse público (evitar o desabastecimento da merenda) —, o Tribunal de Contas identificou práticas que tangenciam a ilegalidade e restringem a competitividade, emitindo determinações severas para certames futuros.
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Restrição de Competitividade pela Modalidade (Pregão Presencial): A escolha pela modalidade Presencial, em detrimento da Eletrônica, foi duramente criticada. O TCE-RJ salientou que o Pregão Eletrônico, disciplinado pelo Decreto nº 10.024/19, deve ser a regra, pois amplia a competitividade e a transparência.
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Determinação: O Tribunal determinou expressamente que o Prefeito se abstenha de realizar Pregão Presencial em licitações futuras sem a devida justificativa técnica que comprove sua vantajosidade.
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Indivisibilidade do Objeto e Aglutinação Indevida: O certame foi regido pelo tipo “Menor Preço Global”, ignorando o caráter divisível do objeto (alimentação, logística, manutenção). Tal modelagem afronta a Súmula 247 do TCU, que obriga a adjudicação por item quando não houver prejuízo à economia de escala, visando a ampla participação de mercado.
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Determinação: Foi determinado que, futuramente, a Administração opte pela divisibilidade dos objetos licitados, salvo inviabilidade técnica comprovada.
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Exigência de Convenção Coletiva Exógena: O edital fazia menção à Convenção Coletiva do Estado de São Paulo, gerando insegurança jurídica para licitantes do Rio de Janeiro. A Administração alegou tratar-se apenas de parâmetro para pesquisa de preços, conforme a Súmula nº 02 do TCE-RJ, mas a obscuridade inicial poderia ter afastado potenciais interessados.
3. Ocorrências na Sessão Pública e Fase Recursal
A análise dos avisos publicados evidencia um ambiente de litigiosidade administrativa e rigor na fase de habilitação.
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Indeferimento de Recursos e Impugnações:
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Houve interposição de recurso administrativo pela empresa Sepat Multi Service Ltda contra a habilitação da empresa Infinity Multi Serviços Ltda. O recurso foi julgado e INDEFERIDO pela autoridade competente, mantendo-se a habilitação da recorrida.
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Impugnações apresentadas pelas empresas MJ Global Tec Comércio e Serviço Ltda, Horto Central Marataizes Ltda e Acrotti Alimentação Coletiva foram igualmente INDEFERIDAS.
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Contexto de Instabilidade Administrativa: Concomitantemente ao Pregão nº 027/2023, a Comissão Permanente de Licitação publicou avisos de ANULAÇÃO de outros certames (Pregão Presencial SRP nº 015/2023 e nº 016/2023), motivados por determinações do TCE-RJ, o que sugere um cenário de fragilidade nos processos licitatórios conduzidos pela municipalidade naquele período.
Conclusão
O certame em questão foi marcado por graves falhas iniciais de legalidade, sanadas apenas após provocação externa (Representação). Embora a licitação tenha prosseguido para evitar prejuízo aos estudantes, a Corte de Contas impôs restrições claras à gestão municipal, vedando a repetição do modelo “Presencial” e “Global” sem justificativas robustas, visando coibir o direcionamento e a restrição de mercado em contratações futuras.
